De janeiro de 2021 até agora, a companhia fechou 163 contratos com 45 empresas para pavimentação de vias públicas, ao preço total de R$ 1,01 bilhão

Obras de papel. Apenas no final de 2020, para se ter uma ideia da amplitude dos contratos guarda-chuva, a Codevasf abriu 20 processos de contratação de obras de pavimentação seguindo essa lógica, cujos valores somam nada menos que R$ 434 milhões. Um total de 14 estados, em grande maioria com obras paradas entram nesse rol. Além de Alagoas, a Bahia, Sergipe e Maranhão, que lidera o ranking na região Nordeste.
O Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) já diagnosticaram o problema, mas ele segue sem solução. Como não há braço suficiente para fiscalizar as obras, o ralo de dinheiro público segue escancarado. Esses dados fazem parte de uma reportagem especial do Metrópoles.
O TCU chegou a abrir um procedimento de apuração sobre esse modelo de contratação adotado pela Codevasf. Os auditores do tribunal criticaram justamente o caráter genérico das licitações, o que abre brechas para fraudes de todo tipo. A Codevasf disse que não poderia suspender os processos, sob pena de prejudicar “as populações carentes de pequenas localidades, que se utilizam dessas vias para escoar a produção, bem como para acessar serviços de saúde e escolas”.
Os ministros acabaram acolhendo o argumento, com a ressalva de que deveriam ser adotados mecanismos mais eficientes para evitar os desvios e garantir a realização das obras. Até agora, não funcionou. Na vida real, as “populações carentes” mencionadas na alegação apresentada pela Codevasf ao tribunal continuam desassistidas – e esperando.
De janeiro de 2021 até agora, a companhia fechou 163 contratos com 45 empresas para pavimentação de vias públicas, ao preço total de R$ 1,01 bilhão. A taxa de execução das obras é baixíssima, o que mostra que a realidade das estradas do Distrito Federal e de Alagoas percorridas pela reportagem é algo que se espraia pelo país afora. De acordo com dados da própria estatal, nada menos que 85 dos contratos – mais da metade, portanto – têm 0% de taxa de execução. Ou seja: nada foi feito até agora.
Um exemplo emblemático está em São Sebastião, município de pouco mais de 30 mil habitantes no interior de Alagoas, o quadro se repete: contratos milionários da Codevasf para pavimentação de estradas de terra, expectativas frustradas da população e nenhuma – absolutamente nenhuma – obra pronta.
Embora a companhia federal tenha acertado um polpudo contrato para pavimentar estradas vicinais que levam a quatro povoados, não há nenhum sinal de que os projetos sairão do papel tão cedo.
Em agosto do ano passado, os moradores da região comemoraram quando viram máquinas e operários trabalhando na pista.
Uma situação, aliás, bem diferente de outro projeto, também da Codevasf, que previa a pavimentação de estradas próximas à fazenda do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, no mesmo município. Nesse caso, a obra, feita com recursos de emenda do próprio parlamentar, saiu.
A diferença entre as duas situações é gritante. São dois mundos distintos a poucos quilômetros de distância: o das estradas que atendem à propriedade do clã Lira e as outras, que servem aos mortais comuns. Em um lugar conhecido como Curral do Gado, na mesma estrada que já deveria estar asfaltada. Há uma placa já deteriorada sinalizando a existência de um segundo contrato da Codevasf para pavimentar mais um trecho da pista. Nem um nem outro serviço, porém, foi executado.
A obra em São Sebastião foi anunciada com pompa e circunstância pelo prefeito José Pacheco, filiado ao mesmo Progressistas de Arthur Lira e um dos muitos aliados do presidente da Câmara na região. Não faltaram agradecimentos ao deputado, que por ali, à moda antiga, recebe as loas dos míticos coronéis da política nordestina. Também nesse caso, a Codevasf admite a paradeira. Reconhece que uma parte do valor já foi paga, mas atribuiu a demora à necessidade de aprovação do projeto.
A Codevasf, sobre os contratos alagoanos, diz que a empreiteira contratada abandonou o serviço e que, por isso, foi multada em R$ 954 mil. Quanto às obras paradas no Distrito Federal, afirma que tem fiscalizado a execução do contrato e que aguarda o cumprimento de exigências feitas à Shox para que as obras passem para a próxima etapa.
Sobre a taxa de execução das suas obras de pavimentação em todo o país ser tão baixa, a resposta foi a seguinte: “Antes do efetivo início das obras, há necessidade de verificação e enquadramento técnico dos locais de execução e, consequentemente, de elaboração dos correspondentes projetos executivos. Essas atividades demandam prazo. Adicionalmente, houve alterações no cronograma de repasses financeiros à Codevasf, o que ocasionou redução no ritmo de execução das obras e, em determinados casos, paralisação dos instrumentos. O saneamento dessas intercorrências financeiras tem permitido a retomada das obras”.
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